sexta-feira, 30 de março de 2012

0205 - Índios alienam reservas a estrangeiros… que faturam com comércio de carbono

JOÃO BORGES DE ANDRADE, PORTUGUÊS
REPRESENTANTE DA CELESTIAL GREEN NA AMAZÔNIA,
COM O CACIQUE KARIPUNA. A ÁGUIA NA CAMISETA DO CACIQUE
RETRATA PERFEITAMENTE O "TRABALHO" DAS ONGS!!!

(A escolha da foto e a legenda são de inteira responsabilidade deste blog) 


Por Leandro Batista Pereira
30 de março de 2012

Uma iniciativa quase surreal do aparato ambientalista internacional está induzindo indígenas brasileiros a, literalmente, alienar suas terras a empresas estrangeiras que operam no mercado de créditos de carbono. Uma empresa irlandesa com o pitoresco nome Celestial Green Ventures (CGV) está promovendo acordos com lideranças indígenas, proprietários de terras e municípios do Amazonas e do Pará, em troca do controle exclusivo sobre os usos da terra de vastas áreas, para a especulação com créditos de carbono. Com duração de 30-50 anos, tais contratos oferecem remunerações milionárias aos “parceiros”, em troca da concessão à empresa de amplos poderes decisórios sobre as formas de utilização das terras abarcadas pelos contratos. Diante da situação, nem mesmo a Advocacia Geral da União (AGU) sabe como proceder.

O problema veio à tona com uma reportagem da Agência Pública (9/03/2012) (ver aqui), a qual revela o contrato assinado entre a CGV e a tribo mundurucu, concedendo direitos plenos à empresa irlandesa sobre as terras da tribo, situadas no município de Jacareacanga (PA), por um montante de 120 milhões de dólares, a serem pagos em 30 parcelas anuais de 4 milhões de dólares, entre 2012 e 2041. Com isto, a CGV passa a ter direitos sobre os 2.381.795 hectares da reserva indígena (área equivalente a uma vez e meia a da cidade de São Paulo), para gerar créditos de carbono por desmatamento evitado.

O contrato prevê, como contrapartida, cláusulas como: pleno e exclusivo direito sobre os créditos de carbono e “mais outros benefícios” a serem obtidos “com a biodiversidade”; a proibição de qualquer modificação ambiental na reserva indígena, “ou qualquer outra atividade que venha a alterar a qualidade do carbono captado”; e a garantia dos “direitos sobre os créditos obtidos, com quaisquer metodologias utilizadas”, além de “todos os direitos de quaisquer certificados ou benefícios que se venham a obter através da biodiversidade desta área”.

Todavia, o mais chocante é o inciso 3 do terceiro parágrafo do contrato:

Sem a autorização da empresa, o proprietário compromete-se a não efetuar qualquer intervenção na área do projeto, nomeadamente: construções fixas ou temporárias corte e ou extração de madeira, queimadas, despejo de indígenas, construções de barragens ou retenção de cursos de água, mineração, agricultura, turismo, construção de estradas ou qualquer outra atividade que possam ter efeitos negativos sobre a metodologia a ser utilizada pela empresa, para validação do projeto.

O curioso é que, segundo o cacique Osmarino Manhoari, a maioria dos indígenas é contrária ao acordo, que teria sido assinado por uma minoria que será a grande beneficiária do contrato firmado com os irlandeses. “Primeiro, ele [o representante da CGV] falou que o projeto é para defender os povos indígenas. Disse que não podia mais mexer na terra, nem branco nem indígena. Quando ouvi essa conversa, era bom… Depois, ele mandou o papel para a associação. Nós vimos que, onde esse projeto está, não pode fazer roça, nem caçar, nem pescar. Hoje estamos acostumados de plantar mandioca, batata, cana, batata doce, banana. A gente pesca, caça, tira madeira quando precisa. Mas eles dizem que não podia mais, eles mesmos iam dar o dinheiro para comprar os alimentos. E os indígenas não pode mais fazer nada, nada, nada. Aí a maioria achou que não é certo”, afirmou.

Quem é a CGV

Um fato que chama a atenção é a escassez de informações sobre a empresa irlandesa. Segundo o seu perfil no Facebook, trata-se de uma instituição com ações na Bolsa de Valores de Frankfurt, com um total de 18.192.193 hectares contratados de florestas na Região Amazônica para a geração de créditos carbono, por meio de contratos de 30 anos de duração.

Ainda segundo a mesma página, a CGV possui 16 contratos nos mesmos moldes do assinado com os mundurucus, sendo que oito firmados com municípios – como São Gabriel da Cachoeira e Boca do Acre (ambos, no Amazonas) -, e oito firmados com proprietários privados (nos quais se incluem as reservas indígenas).

Em seu sítio, a empresa declara ter escritórios na Europa e na Ásia, além da América Latina, e afirma que está negociando novos contratos em países como a Coreia do Sul, China, Malásia, Panamá e Vietnã. No sítio, não há informações sobre instituições parceiras, membros ou quaisquer detalhes sobre os acordos firmados no Brasil, exceto a de que os contratos cobrem uma área de 200 mil quilômetros quadrados do território nacional, área superior a nove vezes o estado do Sergipe.

A CGV atua no comércio de créditos de carbono com base no desmatamento evitado, o chamado mecanismo REDD (da sigla em inglês para Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação Florestal), modalidade ainda não regulamentada no País. Em razão disto, os investidores da modalidade negociam seus créditos no mercado voluntário, que movimenta valores da ordem de 400 milhões de dólares anuais – bem inferiores aos do mercado de emissões europeu regulamentado pelo Protocolo de Kyoto, que movimenta cerca de 140 bilhões de dólares anuais. Ainda assim, grandes empresas, no seu afã de estabelecer uma “imagem sustentável”, têm investido no mercado voluntário – casos da Google, HSBC, DuPont e outras.

Entretanto, a CGV não é a única promotora de tais contratos de alienação de terras indígenas para os mercados de carbono. Uma reportagem do jornal O Estado de S. Paulo (11/03/2012) mostra que cidadãos privados também têm feito contratos com os índios. O agrônomo Benedito Milléo Júnior afirma ter negociado títulos de carbono provenientes de 5,2 milhões de hectares em reservas indígenas – mais que o dobro do território mundurucu. Segundo ele, as perspectivas dos investidores no setor são otimistas, e a sua previsão é de que este mercado cresça com a regulamentação do REDD – o grande sonho de consumo dos mercadores de carbono domésticos.

Passividade governamental

Como tem sido habitual nessas questões, o Governo Federal tem se mostrado passivo e titubeante frente a uma situação tão esdrúxula. Ao tomar conhecimento do fato, a Fundação Nacional do Índio (Funai) encaminhou à AGU uma cópia do contrato assinado pelos mundurucus e a CGV, pedindo um parecer jurídico sobre a matéria. A resposta, contudo, foi extremamente ambígua e, sem questionar o fato de indígenas estarem negociando os direitos sobre as suas terras, o parecer reforça o discurso da necessidade de regularização do esquema REDD, de modo a regulamentar esta modalidade do mercado de carbono – ou seja, admite que possam ser encontrados meios para regularizar futuras negociações com os indígenas. Todavia, o parecer também sugere que a presidente da República, Dilma Rousseff, interfira diretamente na questão, sem a mediação da Funai.

O presidente da Funai, Márcio Meira, considera que os acordos assinados pela CGV com os índios “não têm validade” (Agência Pública, 14/03/2012) (ver aqui). Ele frisou que os acordos foram assinados sem a presença de representantes do órgão e citou o parecer da AGU para qualificar tais acertos como “ilegais”. Ele ainda informou que a Funai está distribuindo cartilhas aos indígenas, orientado-os a não assinar tais contratos.

Meira enfatiza que as terras indígenas são propriedade da União e que, portanto, os contratos – que tratam os índios como “proprietários” – são inválidos. Todavia, defende a regulamentação do REDD e afirma que a consolidação de um mecanismo de especulação com as terras indígenas, com base em créditos de carbono, constitui uma proposta interessante para gerar renda para os índios isolados:

O serviço que os indígenas prestam à humanidade na preservação de floresta tropical tem que ser reconhecido. A Funai fez isso quando regulamentou um auxílio aos indígenas no trabalho de monitoramento territorial. Mas temos é que olhar para frente e buscar um mecanismo de crédito de carbono. É uma boa ideia, mas não pode ser utilizada para os interesses econômicos apenas de terceiros. Sendo regulamentado, esse é o principal fator que pode contribuir para beneficiar os indígenas.

O episódio denota, uma vez mais, evidentes desdobramentos lesivos à soberania nacional proporcionados pela nefasta política indigenista vigente. E, ainda mais preocupante que o fato de investidores estrangeiros estarem atuando com tanta desenvoltura no País, é a passividade das instituições representativas do poder público, prejudicadas por uma visão ideológica das questões indígenas e ambientais e incapazes de enxergar as implicações políticas e estratégicas de tais esquemas.

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